A Teoria da Relatividade e o GPS

Introdução

 


 

Paulo Crawford

Departamento de Física da FCUL

Centro de Astronomia e Astrofísica da Universidade de Lisboa (CAAUL)

 

 

 

Não existe melhor ilustração das virtudes da ciência fundamental, nem prova mais concludente da possível utilidade de teorias antes consideradas exóticas, como é o caso da aplicação da Teoria de Einstein da Relatividade Geral (RG) ao Sistema de Posicionamento Global, mais conhecido pelas iniciais GPS (Global Positioning System). Sem as correcções introduzidas pela teoria da relatividade na medição do tempo realizada por relógios atómicos, não seria possível definir com precisão a localização dos aviões, barcos ou automóveis que dispõem de um receptor GPS. Da próxima vez que o seu avião se aproximar de um aeroporto com mau tempo, agradeça a Einstein e à ciência fundamental que permitiu o desenvolvimento tecnológico que está na origem do sistema GPS que o guiará numa aterragem segura.

 

Trata-se de um empreendimento construído com um orçamento de cerca de 10 biliões de dólares americanos, inicialmente destinado à navegação militar e, em particular, desenhado para guiar os mísseis até aos seus alvos, mas que hoje está transformado numa indústria com interesses comerciais avaliados em muitos biliões de dólares. O GPS inclui 24 satélites, em órbitas circulares em torno da Terra com um período orbital de 12 horas, distribuídos em seis planos orbitais fazendo entre si ângulos iguais, de modo que em cada ponto da Terra exista pelo menos três satélites acessíveis. Podemos explicar facilmente os princípios em que se fundamenta o GPS do seguinte modo. O princípio básico é o da medição da distância (ou ``alcance") entre o receptor e os satélites. Os satélites enviam para o receptor sinais codificados indicando a sua localização exacta nas suas órbitas em torno da Terra. Se soubermos a distância do receptor a um dado satélite, sabemos que estamos sobre uma superfície esférica imaginária

cujo raio é igual a essa distância. Se soubermos a nossa distância exacta a dois satélites, então sabemos que estamos algures sobre a linha de intercepção das duas esferas imaginárias centradas em cada um dos satélites. E se tomarmos uma terceira medida, então só há dois pontos dessa linha onde poderemos estar localizados. Um desses pontos é normalmente impossível, e os receptores GPS têm dispositivos computorizados que permitem eliminar um desses pontos.

 

Com um pequeno receptor GPS que detecta emissões rádio de qualquer um dos satélites que no momento se encontra por cima da sua cabeça, um utilizador anónimo poderá determinar a sua latitude, longitude e altitude com uma precisão que actualmente anda nos 15 metros, e o tempo local com uma precisão de 5×10-8 s. Para além das óbvias

aplicações militares, o GPS encontra hoje aplicações nas navegações aérea, marítima ou terrestre, tanto das grande empresas comerciais como dos particulares.

 

Cada satélite transporta um relógio atómico muito preciso, permitindo medições da ordem de um nanosegundo (10-9 s), isto é, um bilionésimo do segundo. Atendendo ao enorme valor da velocidade da luz, cerca de trezentos mil quilómetros por segundo (ou 3×108 m/s), a precisão necessária para determinar uma localização a menos de um metro corresponde a uma medida de cerca de 3 nanosegundos. Como os satélites se deslocam a grandes velocidades nas suas órbitas e a considerável distância da Terra, é indispensável termos muito cuidado com a dilatação do tempo. Na verdade, os

relógios dos satélites andam a um ritmo diferente dos relógios da Terra. A gravidade, interpretada pela RG, afecta o comportamento dos relógios em órbita, os quais se adiantam em relação aos relógios da Terra. A RG diz-nos, com efeito, que os relógios mais próximos da Terra andam mais lentamente do que os relógios dos satélites que estão em órbita. O desfasamento resultante é tão grande que se não fossem feitas correcções isso provocaria erros de navegação que ir-se-iam acumulando a um ritmo de mais de 10 km por dia. Assim, torna-se indispensável utilizar a RG para proceder a ajustamentos electrónicos nos relógios dos satélites e a correcções matemáticas nos computadores que fazem o cálculo da localização do utilizador.

 

A precisão do GPS é hoje tão grande, de facto, que não só pode ajudar os mísseis dos americanos e seus aliados a atingir os seus alvos estratégicos, como os de qualquer outro país. Para evitar este problema os sinais estão codificados de um modo inteligente, de modo que quem não os saiba descodificar só consegue um precisão de aproximada-mente uma centena de metros. Durante a guerra do Golfo, os soldados americanos precisavam de conhecer a sua localização no deserto. E como não havia suficientes receptores de GPS com descodificador foi necessário recorrer a receptores existentes

no mercado comercial, e as autoridades militares americanas optaram por desligar a codificação do sinal enviado pelos satélites. Num ápice e sem aviso os utilizadores no Mundo inteiro (nas pequenas aeronaves, veleiros de recreio, carros de rally e exploradores, verificaram que podiam determinar a sua posição com um erro de poucos metros. Imaginem os protestos quando, terminada a guerra, os satélites voltaram a enviar sinais codificados para os receptores GPS na Terra.

 

 


 

Para saber mais:
 

A Teoria da Relatividade e o  GPS
(Powerpoint) (PDF)

(versão adaptada de uma Palestra realizada no CAAUL/OAL)

 


© 2004 Paulo Crawford  Última modificação em 09-01-2005